
A pequena Maitê Azevedo Soares, de três meses, de Joinville, Santa Catarina, é uma menina doce e adorável, mas nasceu com uma particularidade: ela não consegue sorrir — pelo menos não com o rosto. Ela foi diagnosticada com a Síndrome de Moebius, uma condição neurológica rara que afeta os nervos responsáveis pelos movimentos do rosto. Mesmo assim, ela encontrou outras maneiras de demonstrar alegria, seja no brilho no olho ou nos agitados movimentos com os bracinhos.
A condição só foi descoberta após o parto, durante a gestação, não houve nenhuma suspeita da síndrome. “Descobri que estava grávida em maio de 2024. A gestação foi ótima, muito tranquila. Eu me alimentei bem e fiz todos os exames solicitados”, diz a mãe, a pedagoga Marlete Azevedo dos Santos, 36, em entrevista exclusiva à CRESCER.
A única coisa que os médicos identificaram no ultrassom morfológico foi o pé torto congênito, que é uma das características da síndrome de Moebius. “Mas isso é um diagnóstico comum, uma a cada 500 crianças nascem com pé torto congênito isolado. Como a Maitê tinha a medida de um bebê padrão normal, eles não viram nada de diferente nela no ultrassom”, afirma a mãe.
Dia do parto
Em 19 de fevereiro, a bolsa de Marlete estourou. “Foi aquele susto, aquela correria. Chegando no hospital, eles me colocaram numa sala de observação, colocaram todos os equipamentos em mim para monitorar tanto eu quanto a Maitê”, recorda. Os médicos perceberam que os batimentos cardíacos da menina estavam diminuindo e precisaram fazer uma cesárea de emergência.
Após o nascimento, os médicos viram que a bebê não estava conseguindo respirar sozinha e ela precisou ser entubada. “Eu não me desesperei, não gritei, só escorreu uma lágrima no meu olho, parecia que eu estava completamente anestesiada”, recorda a mãe. Maitê precisou ser internada na UTI Neonatal.
Logo após o parto, o pediatra explicou que a menina tinha algumas características da síndrome e que iriam começar a fazer exames para investigar. Maitê precisou ficar 30 dias internada, mas Marlete recebeu alta do hospital poucos dias depois do nascimento da filha. “Eu não sei dizer o que é dor da cesárea. Nem parecia que eu tinha feito uma cesárea. Eu cheguei em casa e chorei muito, porque eu vi o quartinho dela vazio”, lamenta.
Mas, a mãe fez de tudo para não desanimar. “Eu pensei: ‘Eu vou ser forte, a minha filha precisa de mim e nós vamos vencer’. Eu chegava no hospital, eu conversava com ela, eu cantava para ela e falava: ‘Filha, você vai sair daqui, você é guerreira, você é forte. Você já nasceu lutando pela sua vida e nós vamos vencer'”, lembra.
“A primeira coisa que uma mãe pensa é: ‘Não vou ver minha filha sorrir'”
Desde o primeiro dia em que viu a menina na UTI, percebeu que tinha algo de diferente. “Ela não tinha expressão facial. Eu fiquei na dúvida se era por causa do parto, mas o médico falou que poderia ser por causa da síndrome”, diz. Marlete pesquisou sobre a síndrome de Moebius e tudo se encaixou. Isso porque a pequena nasceu com três características da síndrome: a fissura no palato mole, pé torto congênito e paralisia facial.
O diagnóstico só foi confirmado quando Maitê saiu da UTI, após fazer todos os exames genéticos. “Como eu já desconfiava da síndrome de Moebius, não foi um baque. Mas a primeira coisa que uma mãe pensa é: ‘Não vou ver minha filha sorrir, não vou ver minha filha fazer caretinha, não vou ver minha filha franzir a testa, não vou ver minha filha fazer biquinho’. Quando recebi a notícia caiu a ficha disso. A dor do meu coração de mãe era essa. Mas, ao mesmo tempo, eu não perdi a minha força por ela”, ressalta.
A síndrome não é progressiva e Marlete já logo se programou para oferecer tudo que podia para a filha ter qualidade de vida. “A Maitê teve diagnóstico cedo, então, desde que ela saiu da UTI, ela já começou com as intervenções. Ela faz fisioterapia quatro vezes na semana, faz fono, tem acompanhamento com pediatra e geneticista. Todos os acompanhamentos que ela precisa, ela tem”, destaca.
A mãe também tenta incentivá-la em casa. “Faço tummy time com ela, trabalho a questão da visão, coloco livrinhos de bebê para ela ficar olhando. Ela também gosta de ficar brincando com os brinquedinhos”, explica. “A gente trabalhando bem o desenvolvimento da Maitê, ela tem um futuro brilhante. Ela consegue ser independente, ela consegue trabalhar”, acrescenta.
Segundo Marlete, o maior problema dessa síndrome é o julgamento das outras pessoas. “Já escutei muito relatos de pessoas com essa síndrome que não se aceitam pela questão de não ter expressão facial e pelo preconceito que enfrentam”, lamenta. Por isso, ela pretende trabalhar bastante a autoestima da filha.
Vale destacar que existe um procedimento cirúrgico para que a menina consiga sorrir e ter expressões faciais, chamada de “cirurgia do sorriso”, que restaura a função muscular, mas pode ser feita apenas mais para frente.
Terapias e próximos passos
Além da paralisia facial, Maitê também está fazendo tratamento para outras características da síndrome. Ela já começou o tratamento do pé torto congênito, que envolve a colocação de diferentes gessos ao longo do tempo até endireitar o pé.
Com um ano de idade, ela irá fazer uma cirurgia para tratar a fissura de palato. “Prejudica muito na questão da alimentação, da fala e da sucção”, explica a mãe. Inclusive, a menina teve dificuldade com a amamentação. “Foram oito dias tentando amamentá-la no seio, mas sem sucesso, porque como ela tem fissura de palato mole e paralisia facial, ela não consegue fazer sucção, porque não tem o vácuo suficiente”, afirma Marlete.
Quando a filha teve alta da UTI, o médico a indicou uma mamadeira específica para crianças com fissura de palato, que não exige que a bebê faça força de sucção. “Então, ela cansa menos para se alimentar e isso é muito importante, porque se ela se cansa muito para mamar, ela tem refluxo, volta o leitinho pelo nariz. Essa mamadeira ajuda bastante”, diz.
“É normal ser diferente, todo mundo tem a sua raridade”
Marlete criou um perfil (@maite_mundomoebius) nas redes sociais para falar sobre a síndrome de Moebius. “Eu nunca tinha escutado falar nessa síndrome, para mim foi tudo novo. Pensei que se eu fizesse o perfil, eu iria receber informações, compartilhar experiências e também ia conseguir ajudar outras pessoas”, explica.
No início, ela ficou com receio de expor ou rotular a filha. “Mas pensei que isso iria beneficiar tanto eu quanto outras pessoas. Então, criei o Instagram para ela. E está sendo muito positivo até agora”, afirma. Marlete está participando da Associação de Moebius do Brasil e a conta da filha já alcançou pessoas de vários lugares do mundo.
“É muito bom compartilhar experiências. Tu se sente abraçada. É importante falar sobre a síndrome, conscientizar as pessoas de que é normal ser diferente, que ninguém é igual a ninguém e que todo mundo tem o seu valor e a sua raridade, ajuda a diminuir a questão do preconceito”, destaca.
O que é a síndrome de Moebius?
Segundo Paulo Victor Ribeiro, médico geneticista que acompanha o caso de Maitê, a síndrome de Moebius é uma condição que afeta principalmente os nervos responsáveis pelos movimentos do rosto e dos olhos. “Isso significa que a pessoa pode nascer com paralisia facial (dificuldade para sorrir, franzir a testa ou fechar os olhos completamente) e dificuldade para mover os olhos lateralmente”, explica o especialista. A síndrome é muito rara. “Atinge cerca de 1 a cada 50.000 a 500.000 nascimentos, dependendo do estudo”, afirma o geneticista.
A síndrome de Moebius pode surgir por diferentes motivos. Existem os fatores ambientais, como uso de alguns medicamentos ou problemas de circulação sanguínea na gestação, que podem afetar o desenvolvimento dos nervos cranianos no cérebro do feto, como explica Paulo Victor Ribeiro. Além disso, também pode ser causado por alterações em genes específicos — é mais raro, mas pode acontecer se houver histórico familiar. “O mais comum é o caso ‘esporádico’, ou seja, sem que haja outra pessoa na família com o mesmo diagnóstico”, afirma.
O diagnóstico definitivo é feito somente após o nascimento, quando se nota a paralisia facial e a dificuldade para sugar ou mover os olhos. “Quando há alterações associadas visíveis na ultrassonografia, como deformidades nos membros ou ausência de movimento facial do feto, pode surgir a suspeita ainda no pré-natal”, explica.
Quais são as características?
Segundo Paulo Victor Ribeiro e Paulo André Ribeiro, pediatra e neonatologista que está acompanhando o caso de Maitê, as manifestações mais comuns incluem:
Ausência de expressões faciais (o rosto parece sempre “parado”)
Dificuldade para movimentar os olhos lateralmente
Problemas para amamentar e engolir nos primeiros meses
Dificuldades na fala e na mastigação
Possível atraso no desenvolvimento motor e/ou da fala
Algumas crianças podem ter alterações nos membros (como dedos a mais ou a menos) ou no formato da língua e do palato
Estrabismo
Olhos secos
Fraqueza de membros superiores e inferiores, principalmente quando a síndrome coexiste com o pé torto congênito
Vale destacar que o QI não é afetado. “Apesar desses desafios, a inteligência costuma ser preservada e muitas crianças têm bom desenvolvimento com os estímulos adequados”, garante o geneticista.
Existe cura?
Não existe cura para a síndrome de Moebius, mas há vários tratamentos que melhoram muito a qualidade de vida. Confira:
Fonoaudiologia: para melhorar fala, deglutição e musculatura oral
Fisioterapia e terapia ocupacional: para estímulo motor e coordenação
Oftalmologia: uso de colírios, óculos ou cirurgia para proteger os olhos
Cirurgias corretivas: como a chamada “cirurgia do sorriso” (transposição muscular) para devolver movimento ao rosto ou a cirurgia para corrigir a fissura palatina
Psicologia: para acolhimento emocional e adaptação social
Acompanhamento genético: especialmente nos casos com suspeita hereditária
“A estimulação precoce previne os atrasos de desenvolvimento movimento do motor, de coordenação e de fala. Melhora a capacidade alimentar dessa criança, de deglutir e sugar, reduz as complicações ortopédicas e visuais e faz diagnóstico precoce delas e melhora a integração social e escolar da criança, melhorando o emocional e autoestima, tanto da criança quanto das famílias”, afirma o pediatra Paulo Ribeiro.
Em alguns casos específicos, é possível prevenir a síndrome. “Em casos com causa genética conhecida, é possível oferecer aconselhamento genético reprodutivo, e até mesmo prevenção em futuras gestações por meio do diagnóstico genético pré-implantacional (PGT-M) em casos indicados”, afirma Paulo Victor Ribeiro.
Para os especialistas, a conscientização é muito importante. “Reduz preconceito, melhora a empatia para que as pessoas conheçam a doença. Estimula o diagnóstico precoce, que é fundamental para o bom desenvolvimento do paciente. Contribui para políticas públicas de apoio aos familiares e às crianças e para o apoio a pesquisas científicas já que é uma doença bastante rara. Isso ajuda também a dar voz às famílias e aos grupos desses pacientes”, finaliza o pediatra.
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